Maio 19, 2024
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Com uma princesa de personalidade forte, dragões falantes e magos intrometidos, Dealing with Dragons é um livro infantil de fantasia encantador, engraçado e muito fácil de ler.

No mundo da história, a melhor forma de uma princesa conseguir se casar é sendo raptada por um dragão, levada por um gigante, ou amaldiçoada para ficar numa torre: então um cavaleiro andante, príncipe encantado ou filho mais novo de um lenhador podem resgatá-la e casar com ela. Para isso, as princesas recebem educação adequada: etiqueta, bordado, dança e como se comportar quando estiver perdida na Floresta Encantada e encontrar algum jovem promissor.

Mas a princesa Cimorene não quer saber de nada disso e prefere estudar esgrima, magia e latim, e até obriga o cozinheiro do palácio a ensiná-la a cozinhar. O rei e a rainha ficam exasperados de ter que impedir as aulas de ocorrerem toda hora, e quando Cimorene faz dezesseis anos eles decidem que o jeito é casá-la com o príncipe do reino vizinho, o belo e corajoso Therandil. Cimorene prefere qualquer coisa a isso, e decide fugir, usando um feitiço de invisibilidade que ela tinha obrigado o mago da corte a ensinar pra ela. Seguindo as orientações de um sapo falante, Cimorene vai parar nas cavernas dos dragões, e acaba se oferecendo para ser a princesa de um deles.

Kazul é um dragão fêmea muito sensata que por acaso está sem princesa no momento, além de gostar muito de jubileu de cerejas, a sobremesa que é especialidade de Cimorene, e fica decidido então que Cimorene será a princesa de Kazul.

O trabalho é muito interessante, pois além de cozinhar para Kazul e seus convidados, Cimorene também precisa organizar a biblioteca da dragão e limpar as salas de tesouros. Seu trabalho é constantemente interrompido, no entanto, pois logo Therandil e outros cavaleiros e príncipes aparecem para tentar resgatá-la, e Cimorene fica exasperada de ter que explicar que gosta dali, quer ser princesa de dragão e não vai ser resgatada.

Ela logo faz amizade com Alianora, uma outra princesa de dragão que não é obcecada com vestidos e príncipes como as outras, e também com a bruxa Morwen, que mora na Floresta Encantada, tem dezenas de gatos, faz sua própria cidra e empresta panelas de crepe para Cimorene quando necessário.

Quando Cimorene descobre uma trama dos magos para matar o rei dos dragões, ela vai precisar de toda sua astúcia para resolver a situação, além de contar com a ajuda dos novos amigos, alguns feitiços de resistência a fogo, penas mágicas de teleporte e a descoberta essencial de Alianora contra os magos: água com sabão e um toque de limão.

Eu me apaixonei por Cimorene, uma jovem inteligente e ágil que não tem papas na língua e se recusa a fazer o que esperam da sua posição. O livro mostra o outro lado da moeda com Alianora, uma moça meiga, que está sempre com medo de ser queimada por seu dragão mas não hesita em ajudar sua amiga quando é pedido, e sonha com o dia em que será salva por um príncipe. Morwen também é uma personagem maravilhosa, com sua casinha na floresta que tem uma porta que abre para onde ela quiser e os gatos independentes que não tem paciência com ninguém.

Os dragões tem sua sociedade e sua própria forma de pensar o mundo, e a narrativa tem pontos muito revolucionários quando descreve uma reunião de dragões com alguns dragões fêmeas, outros dragões machos, e um dragão que ainda não decidiu o que vai ser; ou quando falam sobre o rei dos dragões, que pode ser macho ou fêmea (segundo Kazul, rainha dos dragões é um trabalho entediante que faz séculos que ninguém quer fazer). A autora também claramente tem intimidade com gatos, como pode ser atestado pela seguinte passagem (tradução livre minha):

Havia vários gatos de diversas cores e tamanhos sentados na grade da varanda ou estendidos ao sol. Quando Cimorene desmontou, Kazul disse para um deles:
– Você poderia por gentileza dizer para Morwen que estou aqui e gostaria de falar com ela?
O gato, um enorme cinzento malhado, piscou seus olhos amarelos para Kazul. Ele então pulou da grade da varanda e caminhou lentamente para dentro da casa, seu rabo para cima como dizendo “perceba que estou fazendo isso como um favor especial, e não se esqueça disso.”
– Ele não parece muito impressionado, – Cimorene comentou, com algum divertimento.
– E porque ele deveria estar? – disse Kazul.
– Bem, você é um dragão. – respondeu Cimorene, um pouco surpresa.
– Que diferença isso faz para um gato?
Felizmente Cimorene não teve que achar uma resposta, pois naquele momento Morwen apareceu na porta.

Os diálogos são maravilhosos, com mesmo personagens secundários ganhando falas memoráveis, e cada capítulo tem títulos como “aquele em que a princesa Cimorene foge e faz uma descoberta” que na verdade só deixa o leitor mais curioso. É muito refrescante ler uma história para crianças que não subestima o leitor, apresenta personagens inteligentes e únicos e traz uma protagonista feminina independente e corajosa.

As referências a elementos de contos de fadas clássicos, como a princesa raptada, o terceiro filho que consegue ser bem sucedido onde os outros falharam, profecias e que tais, são feitos de forma esparsa para deixar o mundo do livro suficientemente ancorado na fantasia, mas ao mesmo tempo os personagens são bem pensados e interessantes. O fato do livro conter pouquíssimas cenas de violência (as poucas que ocorrem são fora de cena e nada horroroso é descrito) e romances fofos sem nada além de segurar na mão dela, o livro pode ser recomendado para leitores a partir dos 9 anos.

Esse é o primeiro de uma série de quatro livros que segue as aventuras de Cimorene no mundo da Floresta Encantada. Os outros volumes são Searching for Dragons, Calling on Dragons e Talking to Dragons.

 

Dealing with Dragons (1990), de Patricia C. Wrede. Crônicas da Floresta Encantada Livro 1.

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