Maio 19, 2024
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O início de uma série de livros pioneira que mostra a história de Lessa, uma jovem de temperamento forte que se vê envolvida numa trama para destruir um perigo tão distante que ninguém acredita que sequer seja real.

A ambientação do livro é medieval-fantasioso com uma pitada de ficção científica: não estamos na Terra e sim no planeta de Pern, colonizado por humanos há centenas de milhares de anos. Ficamos sabendo disso nas primeiras páginas, quando o narrador conta que os humanos colonizaram Pern; e também que negócios chamados threads caem do céu a cada cem anos e destroem toda a vida no planeta; que os humanos alteraram uma forma de vida nativa de lagartos voadores, deram o nome de dragão, conseguiram se conectar mentalmente com os dragões e voam com eles destruindo os threads; que faz séculos que os threads não caem e as pessoas estão começando a acreditar que eles não cairão de novo; se nunca mais caírem: pra que dragões?

É bastante coisa pra se absorver em apenas algumas páginas, e eu fiquei com a impressão de “tá, e daí?”. Isso podia ter sido MOSTRADO depois em vez de EXPLICADO como se fosse um livro de história, já que é o conflito central da trama. Mas isso é o prólogo, e daí esperei a história começar.

Conhecemos então Lessa, uma jovem que vive como empregada no castelo de Ruatha. Ela odeia todo mundo porque é a filha dos lordes originais de Ruatha, que foram assassinados anos antes e só ela escapou. Ela usa seu poder, que parece de manipulação mental mas não fica muito bem explicado, pra ficar sendo empregada sem chamar atenção, pra manipular a mente dos outros e fazer o castelo ficar cada vez mais decadente e destruído e pra finalmente tentar matar o lorde Fax, o assassino dos seus pais.

Nessas de conseguir o que quer, Lessa inclusive mata algumas pessoas – sem remorso algum, diga-se de passagem – mas antes que possamos absorver qual é a dessa jovem, chegam os  dragonriders, que são claramente de status importante.

Tem o F’lar e o F’nor, que são ambos bonitos, inteligentes, honrados e corajosos. F’lar é o chefão porque voa num dragão cor de bronze. F’nor é o segundo no comando porque voa num dragão marrom. Eles estão por aí porque a rainha dos cavaleiros de dragões morreu e eles precisam de uma nova, então estão voando por vários castelos da região para encontrar a moça perfeita para o trabalho. Existem outros cavaleiros de bronze (do mesmo nível de F’lar) procurando em outros castelos mas F’lar acha que ele vai encontrar uma moça em Ruatha porque ‘o sangue do norte é mais forte’.

Fax, o tal lorde que matou os pais da Lessa, é dono de vários castelos e vai visitar Ruatha só pra levar os cavaleiros lá, pra mostrar que não tem mulher nenhuma e fim. Lessa, quando descobre que cavaleiros de dragões estão vindo, começa a tentar manipular as pessoas pra conseguir que F’lar ataque Fax ou vice-versa, na certeza de que Fax vai morrer no combate e ela vai poder falar “oi eu sou a herdeira de Ruatha você matou meus pais” ou tipo isso.

F’lar percebe que tem alguém “com poder” manipulando as pessoas mas não consegue identificar quem, e aí tem umas tretas e morre uma mulher lá, e F’lar daí percebe que é Lessa que está por trás de tudo, fica feliz e chama ela pra ser rainha dos cavaleiros de dragão. FIM DA PRIMEIRA PARTE

Então temos: a doida que mata pessoas sendo rainha dos cavaleiros super honrados. Parece um bom conflito, bora continuar.

A história passa correndo por: Lessa tomando o primeiro banho em anos, Lessa se unindo mentalmente à sua dragão-rainha, Lessa aprendendo as coisas de rainha mas não entendendo nada, Lessa descobrindo como funciona com os dragões e com os cavaleiros, Lessa ficando frustrada com o velho mala que é líder dos cavaleiros, Lessa e F’lar tretando porque ele não explica nada pra ela, e finalmente a dragão-rainha levanta seu vôo de acasalamento e o dragão bronze de F’lar consegue alcançá-la. E aí Lessa e F’lar transam.

Péra, quê?

É. Meio que desse jeito mesmo que as coisas acontecem. Os cavaleiros se comunicam telepaticamente com seus dragões. A dragão-rainha, Ramoth, sai do ovo, rola o momento de união mental com Lessa, e é isso: Lessa rainha e Ramoth sua dragão-rainha. E quando a rainha voa para se acasalar, os dragões de bronze vão atrás dela e quem alcançar vira o consorte da dragão-rainha. Mnementh, o dragão de F’lar, é o que alcança Ramoth. E enquanto Ramoth e Mnementh fazem o rolê deles lá no ar, os humanos conectados mentalmente a eles acabam fazendo a sacanagem em terra também, querendo ou não.

Querendo.

Ou não.

F’lar inclusive tem um momento de auto-reflexão em que ele pensa que Lessa tem zero interesse nele e só rola sexo quando os dragões também fazem ao mesmo tempo, e que ‘na real é tipo um estupro’. Essa frase EXISTE no livro. E F’lar fica chateado porque ele é bom no sexo e queria que Lessa demonstrasse querer também.

Eu super tento entrar na cabeça do povo da época – já que o livro é de 68, o rolê era outro, não dá pra ficar querendo usar nossa régua do século 21 blabla. Pra ser justa, ao mesmo tempo em que a Lessa dá pro F’lar só como parte do ritual dos dragões lá, ela também mata um monte de gente no começo do livro sem nenhum problema porque é uma amargurada com segue de vingança, e o livro passa direto por isso sem nem piscar. Ela passa por diversos momentos machistas quando é praticamente está sendo maltratada pelos cavaleiros porque ela é mulher e não tem direito de dar opinião, e a narrativa tenta ao mesmo tempo mostrar como Lessa acha isso injusto mas também não se importa em fazer nada pra sair dali, e depois faz várias burradas inconsequentes que praticamente justificam a desconfiança dos cavaleiros na sagacidade dela.

E independentemente do fato de ser errado colocar a doida se apaixonando pelo cara que tirou ela de onde ela morava, obrigou ela a arriscar a vida com um dinossauro, e depois se aproveitou da ligação mental dela com um bicho no cio pra fazer sexo com ela, vamos combinar que fazer os protagonistas finalmente se juntarem por causa de um ritual com animais irracionais é um mecanismo de trama frouxo. E é tão errado em 68 quanto agora.

Mas vamos às considerações finais que tá ficando longo aqui.

Ambientação: eu gostei do mundo. Adorei os dragões. A ameaça dos threads, a estrela vermelha e o próprio mistério central da trama, que é muito mais ligado à ambientação que aos personagens, são de longe o melhor do livro e foi isso que ficou na minha lembrança depois de ter lido pela primeira vez tantos anos atrás.

Trama: médio. Tem horas que ela é boa, tem horas que ela é ruim. Fiquei sabendo que esse livro é na verdade uma união mal feita de dois contos da autora, e por isso parece que tem parte faltando. O livro parece um conglomerado de pequenos conflitos divididos entre Lessa e F’lar – será que F’lar vai achar uma rainha; será que Lessa vai se unir à dragão-rainha; será F’lar vai conseguir virar líder dos cavaleiros; será que os dois vão descobrir uma forma de salvar o planeta dos threads; etc. Mas todos esses conflitos tem resoluções uito pouco surpreendentes. Nos poucos momentos em que a trama parece mais intensa e algum suspense acontece, logo as coisas normalizam e voltam a ficar sem graça.

Personagens: nunca sabia quem era quem. Lessa sim, porque ela é a única mulher no rolê, porque é a protagonista, e por que tem mais tempo de página: mas a personalidade dela é bem flexível, hein. No começo ela mata pessoas. Depois vira uma burra lenta. Daí resolve causar sem motivo nenhum. Daí fica apaixonadinha pelo F’lar do nada também. Os outros personagens se dividem em: são todos iguais que não dá pra distinguir quem é quem, ou são definidos pela profissão (o tapeceiro é importante, gente). E dois dragões: Mnementh que é um fofo e Ramoth que parece uma criança mimada. Fim.

Com ambientação boa, trama média e personagens ruins, fica difícil defender. Eu li a primeira vez por causa dos dragões – e por mais que minha primeira impressão tenha sido ‘bom livro’, eu nunca fui atrás de ler os outros então significa, né. Hoje em dia, com meu senso crítico que me faz mais chata, eu nem finjo que vou ler as continuações. Livro que passa rápido mas esquece rápido também não me anima e não faz sentido me enfiar numa série de mais de cinco volumes – todas com personagens diferentes no mesmo mundo, o que mostra que a autora também sentiu que a ambientação era o que valia a pena salvar dali.

 

Dragonflight (1968) de Anne McCaffrey. Série Dragonriders of Pern Livro 1

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