Maio 19, 2024
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Eu consigo até ver a conversa, lá por 2009. Uma representante da editora empolgada, jovem, que fala rápido, segura de si. “Meg, tenho a melhor ideia para seu novo romance!” E Meg Cabot, autora já consagrada, com três séries de livros de sucesso no currículo e dois filmes com a Anne Hathaway baseados em suas obras, ouvindo a ideia revolucionária: vampiros.

Eles estão em todo lugar! Todo mundo só quer falar disso! Eles estão gerando rios de dinheiro! True Blood! Twilight! The Vampire Diaries! Você precisa entrar nessa!

Eu consigo imaginar Meg Cabot tentando convencer a moça de que ela não precisa de mais dinheiro; ela já tem as séries famosas, ela até já escreveu uma série de romance paranormal adolescente!

Mas a editora não quer saber. O esquema agora é vampiros. Tem que ter romance com um vampirão sedutor. Tem que ter a mocinha de vida normal entediada com tudo que parece atrair o vampiro de forma inexplicável. Se puder enfiar um triângulo amoroso no meio, melhor ainda!

Eu consigo ver Meg Cabot revirando os olhos e sendo obrigada a concordar, e aí entregando um manuscrito genialmente preguiçoso; e ou ninguém na editora foi sagaz de reparar, ou repararam e acharam que os leitores não iriam perceber; ou ninguém se importou e manda pra impressão de qualquer jeito porque vampiros estão na moda.

Qualquer que seja o caso, não dá pra evitar de perceber que a personagem principal do livro é uma roteirista de televisão que está sendo obrigada pelos produtores da série que ela escreve a transformar o drama romântico da novela em um romance com vampiros. Ela detesta vampiros e acha a ideia ridícula, mas precisa pagar as contas e sabe que se ela não escrever o que eles querem ela vai é ser demitida. Mera coincidência, será?

Enquanto isso, na Romênia, um professor universitário especializado em história medieval da Europa Oriental, devidamente bem vestido, rico e sedutor, recebe notícias desagradáveis e é obrigado a vir para Nova York: mocinhas estão sendo encontradas mortas, sem sangue algum no corpo e com diversas marcas de mordidas!

Além do ponto de vista da protagonista – Meena Harper, um nome ao mesmo tempo preguiçoso e genial, dependendo – temos o ponto de vista de Lucien Antonescu, o tal professor vampirão, que se sente inexplicavelmente atraído pela jovem roteirista, e também de Alaric Wulf, um matador de vampiros profissionais que está na cola de Lucien. A autora mantém seu senso de humor ao longo do livro, e felizmente além do romance tradicional, também temos o irmão desempregado de Meena que quer ser um matador de vampiros; o chefe de Alaric, um agente do Vaticano que anda por aí com um livreto de boas maneiras e recursos humanos da sociedade de matadores de vampiros; o cachorro de Meena, um vira-lata chamado Jack Bauer; a vizinha ricaça dela, Mary-Lou, que tem roupas incríveis mas só fala em arranjar um novo namorado pra Meena depois que ela foi largada pelo seu; e até mesmo freiras que andam por aí com pistolas com balas de prata.

O livro tem lá suas irregularidades. O poder sobrenatural de Meena, o de ver como as pessoas vão morrer, é bem deprimente, e nem sempre a história consegue balancear os momentos leves e os momentos pesados. A autora certamente não acha que os vampiros são amantes sedutores e injustiçados, e sim mortos-vivos assassinos parasitas, e o que rola entre Meena e Lucien tem todos as características de um relacionamento abusivo. No entanto, eu queria que tivesse sido mais enfatizado: queria que os personagens falassem mais vezes o quanto Lucien é um babaca chauvinista abusador estuprão, porque o tanto que falaram certamente não foi o suficiente.

Apesar de eu ter gostado muito do Alaric, achei o triângulo amoroso meio apressado e pouco verossímil, e a batalha final ficou confusa. No entanto, Jack Bauer, a pintura de Joana D’Arc, a cena da espada no café e os vampiros abusivos misóginos ganharam o livro pra mim.

Meg Cabot consegue contar uma história como ninguém, e é impossível largar qualquer livro dela que você comece. No fim das contas eu nem achei a história tão relevante assim, porque ficou tudo um pouco datado – vampiros já saíram de moda faz tempo, afinal – mas não deixou de ser um passatempo aceitável.

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