Maio 18, 2024
Home » O Clube de Leitura de Jane Austen | Karen Joy Fowler

Livro comédia romântica com ponto de vista de vários personagens que decidem participar de um clube de leitura só com os livros da Jane Austen. Premissa agradável, mas no final não me conquistou.

Sylvia e Jocelyn são amigas de infância pra vida toda; Joscelyn resolve inventar um clube de leitura pra animar a amiga quando o marido de Sylvia larga dela pra ficar com outra depois de mais de vinte anos de casado. Allegra, a filha mais nova de Sylvia, também está passando por uma crise amorosa aos 30 anos depois de terminar com uma namorada desonesta, e é convidada para o grupo já que voltou a morar com a mãe.  Bernadette é uma senhora excêntrica que foi casada com o padrinho de Joscelyn, e Prudie é uma jovem professora de francês que Joscelyn conheceu no cinema e fez amizade falando mal da versão cinematográfica de Mansfield Park. Joscelyn tem um canil, e conhece Grigg, aficionado por ficção científica, num hotel onde está tendo convenção de cachorro e de fãs de Buffy. Já pensando que ele pode ser uma boa distração pra Sylvia, Joscelyn o convida para o clube.

Nos seis meses em que o grupo debate os livros da Austen, o leitor fica conhecendo a história dos seis personagens: como Sylvia e Joscelyn se conheceram; o que rolou entre Allegra e a namorada; os vários maridos da Bernadette; o relacionamento doentio entre Prudie e a mãe; Grigg crescendo com três irmãs mais velhas – ao mesmo tempo em que somos apresentados às opiniões de todos sobre vários pontos dos romances da autora inglesa.

O livro não é o filme

Eu sou a primeira a admitir que sou fã da Jane Austen e acho o filme baseado nesse livro uma gracinha, mas o livro em si não me agradou, por mais que eu tenha me esforçado.

O primeiro problema é a forma que a autora escolheu narrar sua história. É na primeira pessoa do plural, achei ousado. “Ela não contou essa história pra gente“, “nós tentamos deixar o jovem à vontade”, “só ficamos sabendo disso depois”, esse estilo de frase.

Fica claro dessa forma que o pobre Grigg é o forasteiro estranho que não está aceito no grupo, Prudie é uma recém-chegada que todas acham esnobe, Bernadette fala demais, Sylvia é submissa, Joscelyn manda em todo mundo e Allegra é grossa. Além disso, quando a narrativa pula para a história individual de cada personagem, dá pra ver que é só o que aquela pessoa escolheu dividir com certos membros do grupo (excluindo Prudie e Grigg).

No começo isso me pareceu interessante, mas ao longo do livro achei irregular porque a autora fez o possível para criar seis personagens únicos pra depois unificar todos numa mesma voz narrativa. Ao mesmo tempo, momentos difíceis pelos quais as personagens passaram claramente foram compartilhados apenas com uma ou duas pessoas, o que me deu a impressão de que essa voz coletiva era na verdade só o trio Joscelyn/Sylvia/Bernadette, ou talvez só as duas primeiras? Ficou confuso e não consegui entender o propósito.

Só tema leve.

Outra questão é que o livro trata de temas bem pesados, incluindo estupro, abuso de menores, pais narcisistas, traição, roubo de propriedade intelectual, drogas, abuso religioso. Pra quem está esperando uma comédia levinha com no máximo uma ou outra questão social devido à conexão com Jane Austen, começar o livro com uma menina de quinze anos sendo abusada me pareceu um pouco demais. As decisões narrativas da autora em relação a esses problemas também me pareceram um pouco equivocadas, e muitas vezes a personagem adulta pareceu totalmente desconectada da história dela criança, como se a autora tivesse incluído das cenas pesadas só para forçar a discussão do assunto. A forma que a história vai e volta no tempo sem aviso algum não ajuda em nada também.

A impressão que me deu é que a autora quis muito muito falar sobre Jane Austen, mas publicar uma série de longas resenhas sobre livros de duzentos anos de idade sobre os quais a maior parte dos grandes autores já se pronunciou pareceu redundante pra ela, então ela inventou esse livro pra falar dos personagens que ela inventou pra poder usar de desculpa pra divagar sobre Jane Austen. Os personagens são interessantes, as referências literárias são agradáveis, e sempre estou disposta a ler o que dizem sobre Jane Austen – mas. O único que nunca tinha lido Jane Austen antes da história começar foi Grigg (que inclusive é desprezado por isso); as outras todas aparentemente sabem os livros de cor.

Podia ser passarinhos.

Então juntar todo mundo pra falar dos livros foi só um exercício de auto apreciação. De vez em quando uma ou outra discorda, a Bernadette engata num assunto pra diluir o conflito e daí todo mundo vai embora. O livro tenta muito mostrar que a vida do pessoal mudou muito depois do clube, mas na verdade a vida delas mudou só porque ficaram conhecendo gente nova e interagindo todo mês pra falar um interesse em comum. Podia ser Jane Austen ou passarinhos, daria na mesma.

Eu não sou especialista em Jane Austen e não fico por aí lendo análises célebres dos livros dela. Então fiquei na expectativa de ver a opinião dos personagens sobre os livros pra poder comparar com as minhas, como se eu estivesse de fato em um clube do livro. Prudie é meu tipo de leitora e fez toda uma série de fichas com as questões que ela queria discutir em Mansfield Park. No entanto, as outras personagens ou falavam coisas perfeitamente comuns sobre as histórias, ou o livro pulava totalmente a parte em que elas discutiam no clube e só mostrava o que acontecia na vida pessoal delas durante os seis meses que a narrativa cobre.

Spoilers maiores.

Vou falar do fim do livro e posso talvez estragar sua experiência, cuidado.

Por último mas não menos importante, fiquei realmente desgostosa com as soluções para os conflitos que a autora escolheu. Eu sou a chata que quer finais felizes e que acha que o final escolhido para a personagem demonstra claramente a visão de vida dos autores, certo? Então quando você me coloca um marido que larga da esposa depois de vinte anos, arranja outra mais jovem, apresenta essa outra para todos os filhos, enquanto mostra a esposa largada tentando descobrir quem ela é sem estar casada. Mas aí no final o marido volta, escreve uma carta mequetrefe pedindo desculpas no melhor estilo “fui péssimo mas ainda assim peço perdão e quero voltar” e aí a esposa vai lá e aceita ele de volta: o que isso diz sobre sua visão de mundo, me diz?

E aí você me coloca uma moça num relacionamento com outra moça. A segunda moça é escritora cheia de bloqueios, e pede pra namorada “me conta de você, quero muito saber da sua vida” e aí ela conta os segredos mais íntimos. E aí a escritora vai lá, sem pedir, coloca as histórias da namorada nos contos como se fossem dela, lê os contos em voz alta no grupo de escrita dela. Ainda por cima desencoraja a namorada a ir nesses grupos porque “você é muito crítica, vai rir dos outros escritores e eu vou ficar desconfortável”. E como se não bastasse, manda os contos para as editoras como se as histórias fossem originais inventadas por ela. Quando a namorada descobre, fica pistola com razão, larga dela e vai arranjar outra. Mas aí você me coloca a namorada voltando pra escritora no final e perdoando e vivendo feliz com a mentirosa: sério daí que você quer misturar isso com a noção de perdão e segundas chances que a Jane Austen fala em Persuasão?

Apenas não.

E nem cheguei na garota de 16 anos que é forçada por um cara a ficar com ele e fica confusa e namora com ele por dois anos. Ou na professora do ensino médio que fica sentada com um aluno olhando um professor passando a mão nos peitos de uma colega. São cenas desagradáveis que ficam piores por serem jogadas fora de contexto, sem resolução, sem explicação e sem julgamento.

Se o livro tivesse personagens que tivessem sido afetadas pelos livros da Austen; se o livro tivesse uma narrativa mais linear; se o livro tivesse mais espaço para o dito clube do livro do título: eu certamente teria gostado mais do que li. Do jeito que ficou, achei abaixo do esperado, abaixo do filme, muito abaixo de Austen e com várias passagens problemáticas.

The Jane Austen Book Club (2004) de Karen Joy Fowler.

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