Adoro, ADORO farytale retellings. Essa autora, Cameron Dokey, escreveu nove livros curtinhos com ‘re-imaginações’ de contos de fadas famosos. Já falei aqui da sua adaptação de Mil e Uma Noites – The Storyteller’s Daughter, de Belle (A Bela e a Fera) e da Bela Adormecida – Beauty Sleep. E agora é a vez da Cinderella!
Bom, eu não sei se eu já falei, mas eu acho a Cinderela uma das princesas mais sem graça. Eu até acho a versão dos Irmãos Grimm melhorzinha pouquinha coisa, mas a versão mais conhecida – da abóbora, da fada-madrinha, dos ratos virando cavalo – é bem idiota, vai. E como se não bastasse, a Cinderela é uma tonta.
Aí eu já gostei desse livro porque a menina pelo menos tem personalidade. Ela fica meia chateada porque tudo o que ela planta na cova da mãe apodrece e morre (né, meio mórbida) mas não tem tempo de ficar se arrastando pelos cantos porque vive numa casa no fim do mundo atacada pelas intempéries e precisa ajudar as coisas a funcionarem. Então não é uma jovem obrigada a ser empregada da família: ela é a filha do dono da casa que precisa trabalhar como todo mundo pra fazer a colheita virar. Já gostei.
O pai é uma figura controversa na maioria das versões do conto. Como assim você deixa sua filha virar empregada da nova esposa e não fala nada? Alguns mandam ele viajar (como em Ella Enfeitiçada), outros matam o cara (Ever After, por exemplo). Nesse, ele é um sofredor que desistiu da vida depois que a amada esposa morreu durante o parto e por isso não quer mais ver a filha na frente, já que a morte da mãe é ‘culpa dela’. Como ele não estava em casa quando a esposa morreu porque viajava a serviço do rei, ele também ficou contra o rei e participa de um plot maligno contra a coroa.
Já a madrasta é imaginada como uma pessoa bem melhor do que no conto original, enquanto as irmãs são do estilo ‘no começo sou má mas tenho profundidade por isso virei boa’ e tem até um órfão amigo da Cinderela pra dar mais animação ao começo da história.
Só que depois que todo mundo decide ir ao baile (todo mundo mesmo: madrasta, irmãs, Cinderela, o órfão amigo que gosta da irmã mais velha, um soldado do reino vizinho que gosta da irmã mais nova, e a ‘fada-madrinha’), as coisas começam a se perder. Tudo acontece muito rápido, as cenas são mal explicadas e principalmente o romance da Cinderela com o príncipe ficou sem espaço. Um plano para desestabilizar o reino, irmãos gêmeos perdidos e a magia do amor (literalmente) entram na história, e até dá pra se importar com alguns personagens – já que a autora passou dois terços do livro com boas caracterizações – mas a confusão final é tão corrida que nem dá tempo de entender direito o que está acontecendo. A outra objeção que eu tenho é com o título. As coisas que precisam acontecer ‘antes da meia-noite’ não são nem um pouco relevantes para a trama, e aí qual o objetivo sem objetividade do nome do livro?
Eu percebi que a intenção foi de olhar para o conto da Cinderela através da pergunta: ‘O que aconteceu com o pai dela?’; e nesse sentido o livro conseguiu fazer um bom trabalho. Mas os outros elementos da história – romance com o príncipe, fada-madrinha/árvore da mãe, moça que é obrigada a ser empregada da família, o baile, o sapatinho – foram distorcidos a ponto de ficarem irreconhecíveis. E aí não fica bem uma adaptação da Cinderela, né?
Como um livro independente, por outro lado, os personagens são interessantes (especialmente a madrasta) e a história é divertida, com exceção do final apressado estranho. Então pra quem gosta de livros de fantasia sem compromisso é uma leitura boa para passar o tempo.
Before Midnight: A Retelling of Cinderella (2007) de Cameron Dokey. Série Once Upon a Time.