Maio 18, 2024
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Eu gosto de contos de fadas e eu gosto de livros que reimaginam contos de fadas. Quem não entende do assunto pode achar que reescrever um conto de fadas não pode ser tão difícil. Afinal, é só pegar a história tradicional e mudar algumas coisas para fazer com que a faixa-etária-objetivo se identifique mais com os personagens/trama/ambientação. Ou vai que você é um autor que tem muitas ideias geniais que vão acrescentar nova vida a um conto pouco conhecido. As possibilidades são infinitas. E o material “original” também parece ser infinito. Mas claro que a maioria dos autores vai o que? Pois é: adaptar sempre os mesmos contos.

A Cameron Dokey, uma autora americana bastante conhecida, tem lá sua série de contos de fadas e esse é um deles. Ela escolheu o super original Rapunzel. Quem lembra? A Disney fez uma versão e de repente todas as crianças estavam me corrigindo quando eu falava do príncipe que escalava a torre. “Não é príncipe”, com aquela voz debochada, “é um ladrão!” e dá vontade de sacudir a pirralhada. Melhor parar por aqui.

A Rapunzel raiz

Mas a versão mais conhecida – que, tá, não deve ser considerada muito apropriada pelos pais, – é a seguinte. Tinha a Rapunzel que tava lá na torre e tal. A bruxa gritava “Jogue suas tranças!”. A Rapunzel jogava as tranças douradas que nunca tinham sido cortadas. E o príncipe, que ouve a voz angelical da moça, espiona a bruxa subindo. E, num dia que a bruxa não tá, resolve disfarçar a voz e, quando Rapunzel joga as tranças, oh! Tá lá o novinho.

Tem várias versões de como a bruxa descobre que a Rapuzel a esta “traindo”. Mas na maioria delas a bruxa chega de surpresa, joga o príncipe pela janela (ele cai nuns espinhos e fica cego), corta o cabelo da Rapunzel e a larga no mundo.

A Rapunzel tem gêmeos (só caso algum puritano estivesse duvidando do tipo de conversa que ela e o príncipe tinham na torre) e fica vagando pelo mundo cuidando das criança. Aí um dia ela tá num deserto, encontra o príncipe cego, chora na cara dele, e as lágrimas dela curam a cegueira dele e vivem felizes pra sempre fim.

A versão do livro

A Cameron Dokey pegou essa história e parece que fez assim: ain, que coisa mais pesada, não posso ter meninas grávidas nem príncipes cegos porque essa é uma história pra JOVENS ADULTOS. Então tira tudo isso. E também uma bruxa má que prende uma criança numa torre: pesado isso. Então sem bruxa má, agora é uma bruxa boa. E também não posso ser ÓBVIA, porque apesar de ser um livro novo, é de se supor que todos os leitores já conheçam a história e não queiram ler tudo de novo, daí preciso INOVAR. Que tal se a Rapunzel, em vez de ter longos cabelos loiros, for CARECA? Genial, vai.

Ok, não vou discutir a tal da calvície. A menina sofre preconceito e tudo, e a bruxa BOA resolve criar a menina, e ela anda por aí com turbante na cabeça e aprende a fazer magia pouquinha coisa e daí até se apaixona pelo aprendiz do caixeiro viajante que de vez em quando visita ela e a bruxa. A aldeia dos plebeus ignorantes vem atrás delas porque queimem as bruxas e elas são forçadas a fugir e super triste e todo o resto.

Tudo isso e já passou da metade do livro e eu: cadê torre? Cadê príncipe? E – meio importante – CADÊ TRANÇAS?

CADÊ TRANÇAS?

Daí quando elas fogem a bruxa boa resolve fazer uma REVELAÇÃO SURPREENDENTE que primeiro que não é surpreendente (ó, tem uma mina de longos cabelos dourados presa numa torre – ops era isso que todo mundo estava esperando desde a página um) e segundo que não faz o menor sentido: um mago maligno prendeu a filha da bruxa numa torre por que magos são malignos – tipo, tem uma explicação que não explica nada, e apesar dos personagens estarem entendendo tanto quanto a gente, toca pra frente porque o livro tá acabando.

Aparentemente, a única forma de salvar Rue, a filha da bruxa presa na torre, é se a Rapunzel for lá, ficar presa na torre ca menina, e salvar a pobre do terrível destino de ficar presa na torre pra sempre. Ir trocar uma idéia com o tal mago: não consta. E explicar porque raios a filha adotiva da bruxa vai conseguir fazer alguma coisa pra salvar a filha verdadeira: também não parece ser prioridade.

Aí primeiro a Rapunzel fica muito chateada porque como sua mãe adotiva tinha uma filha presa numa torre por toda a eternidade e por que que ela nunca falou nada? Daí tem “será que ela gosta mais dela do que de mim?” E então muito sono. Depois ela resolve ser uma jovem forte e vai lá se enfiar na torre com Rue, que também está na choradeira de “minha mãe adotou outra filha, ela não gosta mais de mim”. Portanto as duas tem que se entender porque precisam descobrir como acabar com a maldição antes que o tempo acabe – sim, tem um tempo limite; não, não tenho ideia de como nem porquê. Nem nada.

Mas como faz daí

Bom, isso faltava tipo vinte páginas pra acabar o livro e eu OK, TEMOS TRANÇAS mas nada de príncipe e nada disso faz o menor sentido e aí TCHANAAAN temos um príncipe. Que começa a conversar com a Rapunzel sem vê-la, e ele a acha muito simpática. Isso faz com que a Rapunzel tenha a idéia genial de fazer a Rue e o príncipe se apaixonarem porque o amor salva.

E apesar de umas ceninhas de ciúmes do aprendiz de caixeiro viajante (que eu decidi que vou chamar de porqueiro assistente porque Prydain); apesar do príncipe só ter conversado com a Rapunzel: ela joga a Rue pra frente do parapeito da torre. O príncipe vê Rue e é amor à primeira vista! Porque todas as moças tem voz igual e falam do mesmo jeito, porque ele nem repara na diferença (ou ele tá é apaixonado pela imagem da bela moça de cabelos longos e dourados, tanto faz nesse ponto).

Então fora a amiga intrometida, a história da moça no alto da torre segue mais ou menos a história que conhecemos nos contos de fadas. Mas o que isso tem a ver com a Rapunzel do livro, que é careca, nunca ficou presa numa torre, quer o porqueiro assistente e não o príncipe?

SIMPLES

SIMPLES, no fim a Rapunzel desencana do próprio nome e deixa a Rue ficar com ele (explicação: foi esse o nome que ela deu pro príncipe quando conversou com ele sem ele vê-la, e pra manter a enganação, Rue falou pra ele que se chamava Rapunzel). E a nova Rapunzel (a das tranças) vai morar com o príncipe, e a Rapunzel antiga escolhe um nome bonito pra ela com a ajuda do porqueiro assistente e todas vive feliz pra sempre fim.

E eu me divirto tão mais escrevendo aqui do que lendo essa droga que vocês não tem nem ideia; então pra alguma coisa o livro serve, vai. Só pra deixar claro então: não percam o seu tempo precioso; esse livro não faz o menor sentido; é a história de uma mina aleatória careca que chama Rapunzel durante 80% do livro e nos outros 20% onde de fato acontece algo que lembre a história do conto a coisa é tão rápida e sem graça que não vale a pena mesmo.

Golden (2006) de Cameron Dokey. Once Upon a Time 4.

 

2 thoughts on “Golden | Cameron Dokey

  1. Oi Renata, não sou muito de escrever comentários as resenhas que leio, mas nesse não tive como, não li o livro e nem pretendo, pois ler a sua resenha já me divertiu Muuuuuito, amei! Será a primeira de muitas resenhas, vc foi muito criativa e engraçada, parabéns!

  2. oiii, adorei suas resenhas, como você consegue esses livros em inglês, você os le em inglês mesmo ou achas traduzido em algum lugar?

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