Maio 19, 2024
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Salvo Montalbano é um comissário de polícia que vive em Vigàta, uma cidadezinha fictícia da Sicília. Os trinta contos presentes no livro são uma coleção de crimes diversos, sem ordem cronológica, que nem sempre são solucionados.
Entre eles estão casos do início da carreira do comissário, casos que se passam em outras cidades, casos dramáticos e casos cômicos.

Em comum entre eles há a presença de Montalbano, que como sempre demonstra ao mesmo tempo inteligência, ironia e piedade em suas atitudes.
O principal a ser dito sobre Montalbano é que, como qualquer leitor contumaz de romances policias logo repara, ele é extremamente humano. Ao contrário dos Poirots e Sherlocks, Montalbano comete erros, tem raiva, tem medo, é injusto, mesquinho ou maldoso às vezes. Mas ele tem sempre o coração no lugar.

Entre outras características do comissário estão seu mau humor matutino quando bate o vento sudoeste; sua irritação extrema com seu colega Mimì Augello, que ele caracteriza como sendo um puxa saco, quando este comete a heresia de salpicar queijo ralado no macarrão com molho de frutos do mar; sua mania de jogar o catálogo telefônico em Fazio, seu subordinado, quanto este faz algum comentário óbvio; sua infelicidade ao ter de lidar com o telefonista Catarella, que nunca escreve corretamente os nomes de quem ligou; sua má vontade, aos quarenta anos, em se casar com sua namorada da mesma idade que mora em outra cidade porque não tem paciência pra largar a vida de solteiro…

Estas atitudes que na verdade parecem fazer parte da personalidade única de cada ser humano fazem com que de repente este livro de contos policiais seja uma leitura divertida, comovente e interessante.
Muitos dos eventos cômicos que fatalmente acontecem numa cidadezinha são descritos com maestria pelo autor – como o fato de o local mais fácil onde se descobrir o motivo pelo qual Carlo Memmi e a mulher se separaram ser o salão do barbeiro.

Além disso, há, é claro, a máfia, sempre ali, apesar dos políticos na televisão negarem que ela detenha tanto poder assim. Em um dos contos, por exemplo, as duas famílias mafiosas de Vigàta, os Sinagra e os Cuffaro, têm uma tradição. Os chefões das famílias (octogenários) são tradicionalistas. Então os assassinatos são feitos com tiro de espingarda. Uma hora o morto é ligado à família Sinagra, e logo depois, num intervalo de poucas semanas, morre alguém que é ligado à família Cuffaro. Se a polícia tenta descobrir algo sobre estes cadáveres, é impressionante como ninguém viu, ninguém ouviu e ninguém sabe de nada. Até que, numa determinada ocasião, há dois mortos dos Cuffaro, e apenas um dos Sinagra.
É o suficiente para o comissário tentar uma cartada audaciosa entre os mafiosos e para o autor expor com humor esta questão tão séria (como o trecho em que ele diz que, entre os Sinagra e os Cuffaro, a história de Romeu e Julieta passava pelo que realmente era – uma simples lenda).

Todas as histórias – que incluem traição conjugal, pedofilia, tráfico de drogas, brincadeiras de mau gosto, prostituição, estupro, mal entendidos e simples desonestidade – são permeadas pelo humor soturno de Montalbano, pela forma quase coloquial usada pelo autor em suas descrições e por palavrões ótimos que surpreendentemente nos aproximam do modo de pensar dos italianos.
O leitor brasileiro (e paulistano) com certeza se identificará com as situações, com a linguagem e principalmente com o clima dessa cidade fictícia onde o crime é mais organizado do que os policias. E, no entanto, tudo parece tão real.

No fim das contas o livro é uma leitura fácil, divertida e inteligente, com sua estrutura de contos curtos, em que a paixão de Montalbano pela comida, seu mal humor crônico e suas intuições só o trazem mais próximo do leitor.

Un Mese Con Montalbano (1998)
De Andrea Camilleri (Itália)
Série Inspetor Montalbano Livro5 (ordem de publicação)

1 thought on “Um Mês Com Montalbano | Andrea Camilleri

  1. Esse livro nunca compraria, mas confeso que sua resenha e comentário me fizeram mudar de idéia.Obrigada pela sua visita e por sua ótima sugestão.Um abraço.

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