Novembro 21, 2024
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Romance de época com cenas eróticas que se passa na Inglaterra do início do século XIX. O Duque de Hastings tem traumas de infância que podem impedi-lo de reconhecer a dádiva do amor; Daphne Bridgerton sofre da síndrome da melhor amiga e acha que nenhum homem olhará para ela sem ser dessa forma. Será que eles vão consegui ficar juntos?? Como em todo livro desse tipo, todo mundo sabe que eles vão ficar juntos no final, e o que interessa é a forma como o romance acontece.

A primeira coisa importante na história é o jornalzinho de fofocas da alta sociedade Lady Wistledown’s Society Papers, que é de autora desconhecida e fala mal de todo mundo usando os nomes próprios. Lady Wistledown é uma delícia de ler e são as melhores partes do livro.

A outra coisa importante nesse livro são os personagens coadjuvantes. Daphne é a quarta filha de uma família de oito, e as cenas em que todos interagem são muito bem escritas. Além disso temos a bem humorada e levemente assustadora Lady Danbury e a casamenteira Lady Bridgerton, duas mulheres ótimas.

Simon Basset é o bonitão Duque de Hastings. Ele teve muitos traumas na infância e odeia seu pai, que sempre preferiu o título à própria família. Por isso Simon não quer saber de se casar, já que no início do século XIX casamento é o mesmo que ter filhos e ele não vai dar ao pai a satisfação da continuidade da linhagem. Mesmo depois do pai dele ter morrido.

Daphne Bridgerton é a bela e inteligente mulher mais velha da enorme família Bridgerton. Apesar da beleza e personalidade agradáveis, Daphne sente que todos os homens pelos quais ela se interessa a consideram apenas como amiga, enquanto os que de fato pedem sua mão são ou velhos ou idiotas.

Daphne e Simon se conhecem e logo formam um combinado: Simon vai fingir que está interessado em Daphne e isso vai fazer com que ela pareça atraente aos outros cavalheiros. Aos poucos, Daphne vai percebendo que está se apaixonando de verdade pelo duque, enquanto ele também começa a sentir o mesmo.

No entanto há dois problemas na situação: ciúmes doentios por parte de Anthony, o irmão mais velho de Daphne e (ex) melhor amigo de Simon. E a questão dos filhos, já que Daphne sonha com uma família grande e feliz e Simon vive com o fantasma do pai. Será que Daphne vai conseguir conquistar a confiança de Simon e salvá-lo do trauma de infância?!

Como toda comédia romântica, o livro é um aglomerado de pessoas brancas que poderiam ter todos os problemas resolvidos com uma boa conversa – mas ela nunca acontece porque os personagens estão todos presos em cenas cheias de “não quero falar sobre isso”, “você não entenderia” e “isso não é o que você está pensando!” e daí o outro vai embora etc. Os conflitos do livro são construídos de maneira totalmente artificial, já que a motivação inicial dos personagens é idiota, e o livro tenta se desvencilhar da trama com explicações de “mas era assim que funcionava na época”.

Um exemplo. Simon quer muito ficar com a Daphne mas ele sabe que ela quer filhos e ele não quer, então ele fala pra ela que ‘não pode’ se casar com ela. Mas numa noite festiva, Daphne pede que ele a beije e ele ‘perde o controle’ e daí sem querer os dois tão se pegando fortemente quando são flagrados justamente pelo irmão de Daphne, Anthony. Depois dos apropriados socos na boca etc, Anthony fala pro Simon – agora você vai ter que casar com ela. E Simon vai lá e mete um – não posso. E aí o Anthony fala que vai ter que ter duelo blabla. E aí vocês imaginam o drama.

Fica claro no exemplo que a autora explica a inabilidade de comunicação dos personagens pelo fato de todos viverem numa época em que ‘não se falava sobre questões íntimas’ e isso causa todos os mal entendidos do livro; mas a nota falsa ocorre porque a narrativa está numa posição contemporânea: ao descrever os pensamentos eróticos dos personagens, e as dúvidas existenciais dos protagonistas, e ao criar as motivações para o romance demorar para acontecer, a autora fica num meio termo. Não conseguimos nem ver os personagens como sendo exemplos típicos da regência britânica e nem pensar neles como pessoas tridimensionais com anseios próprios.

E isso leva à grande polêmica do livro: Daphne estuprona. Simon não quer ter filhos pra se vingar do pai. Acaba se enrolando e sem querer chupa os peitos da Daphne numa festa (quem nunca), e aí tem a confusão do duelo e eles casam, Simon o tempo todo falando que não pode ter filhos e por isso vai fazer Daphne super infeliz; Daphne se contentando com não ter filhos já que vai casar com o homem que ama choro e tal. Daphne, como toda boa moça de família, é super virgem e não faz ideia de como sexo funciona; a noite de núpcias é tensa mas no final super rola e é maravilhoso mas o Simon goza fora. Daí pra frente Daphne tenta se acostumar com seu papel de duquesa na propriedade histórica de Hastings enquanto transa com o duque pela casa toda; ele sempre goza nos lençóis ou no vestido dela. Até que a Daphne se toca de que tem alguma coisa errada, acusa o Simon de ter mentido pra ela, que ele pode ter filhos sim se quiser e que ele só não quer. Simon fala que é isso mesmo. Os dois brigam por horas até que ela tranca a porta do quarto e ele vai puto beber no bar.

Quando ele volta, totalmente bêbado, ele vai pra cima dela choramingando que nunca quis machucar ela, ama ela pra sempre, blabla papo de bêbado, quer transar e tal. Ele pede pra ela dormir com ele, e ela fica com pena e aceita. Algumas horas depois, Simon naquele dormindo meio acordado, Daphne resolve pegar essa super chance e subir nele – e segura as pernas no final para ele gozar dentro.

Ele acorda e fica sóbrio bem na hora ao se dar conta que ela fez aquilo de propósito; fica putasso; eles se separam e ela vai pra casa da mãe; acontece mais algumas bobices mas no fim das contas eles reatam e vivem felizes pra sempre. No epílogo já estão com três filhos.

O grupo de fãs dos livros era já bastante considerável nas internet, e a discussão da Daphne estuprona já existia – mas aí veio a série (que deu uma amenizada boa na cena) e a internet entrou em polvorosa de novo. O consenso parece ser de que Daphne estuprou o Simon sim e quem defende ela são só feministas que acham que tudo bem estuprar homem e golpe da barriga acontece direto e que tem um monte de mulher desonesta e não pode passar pano pra estupro nunca.

Mas como a internet preza por manter o nível mais raso possível, é importante fazer alguns apontamentos. A cena do livro é uma quebra de confiança absurda, e não tem desculpa para o que a Daphne fez. Mas vejam aqui comigo.

Hoje em dia, se você de alguma forma drogar ou embebedar seu marido para ele gozar dentro e você talvez engravidar, acredito que isso seria sim considerado estupro. No entanto, me parece algo tão improvável de acontecer que não merece ser discutido. O ‘golpe da barriga’ que todo mundo gosta falar que as moças tentam acaba sendo muito mais simples de ser consumado porque homem arranja qualquer desculpa pra não usar camisinha. É só a moça falar ‘relaxa, tô com a pílula’ que eles pegam a chance na hora. E mesmo com o famigerado golpe da barriga, quem vai ter que engordar, ter dor, parir, amamentar, cuidar, ser julgada, ter dificuldade pra conseguir emprego, ter dificuldade pra arranjar um parceiro, tudo isso vai ser a moça, né. O infeliz que sofreu o golpe vai ter que jogar um dinheiro lá e no máximo tirar foto com a criança a cada quinze dias pra colocar no Instagram. Ou seja, essa ideia de que as moças fazem tudo para conseguir ter filho com um homem que tenha um mínimo de condição financeira é uma falácia moderna que os homens adoram perpetuar porque é muito mais fácil colocar todo o ônus da reprodução nas costas das mulheres.

Por outro lado, na época em que o livro acontece, não existe isso de mulher escolher não ter filho. Daphne seria julgada e mal vista por toda a sociedade por não ter sido capaz de ter tido filhos e herdeiros para o ducado. Simon foi egoísta do início ao fim de ter colocado a moça nessa situação. Ele fica repetindo várias vezes durante o relacionamento eu avisei desde o começo; eu te dei todas as chances de escapar; eu preferia morrer do que te colocar nessa situação. Tudo besteira. Ele seduziu a virgem e todo mundo viu. Ou ele casava com ela ou ela era a desgraçada da sociedade. Ele era o cara experiente que sabia muito bem o que estava rolando; era pra ele ter saído da cidade assim que percebeu que estava gostando dela e que ela queria uma família com doze crianças. Aí quando ela descobre que ele não quer ter filhos e acusa ele de deixar o pai mandar nele do túmulo (melhor sacada da Daphne, na minha opinião), ele fica puto e não quer mais falar disso e quero encerrar essa conversa, na melhor tradição de homens que não conseguem falar de sentimentos então só fazem bico e mudam de assunto.

Mas o mais importante de tudo é que tudo isso é coisa da cabeça da autora. Ela criou esse mundo paralelo que se parece com a regência britânica em alguns pontos, com um romance pornográfico em outros pontos, e com uma sitcom americana em outros pontos. Os personagens são dela e eles fazem o que ela decidiu para eles. Ela que inventou esse conflito idiota do Simon querer se vingar do pai não tendo filhos. Ele poderia ter se vingado de mil outras formas. Poderia ter gastado todo o dinheiro. Poderia esfregar na cara do pai que vendeu a mansão ancestral pra transformar em colégio de garotas. Podia ter tido dezoito filhos fora do casamento e falado ‘tó seu bosta tenho todos esses filhos super saudáveis e lindos e nenhum vai ser duque’; poderia ter ido no leito de morte do pai que não ia ter filhos nunca e ignorado cem por cento disso depois já que a vingança foi ter visto o pai puto na cama.

Ah, mas aí como que ia ter o conflito do casal e a reviravolta do final do livro, né? Pois é. Então é importante lembrar que nada faz sentido, que os personagens cometem as babaquices com o único intuito de cumprir um pré-requisito da trama, e que estupro de homem existe sim mas a cena do livro não é um exemplo típico de como isso acontece. É só uma romantização imbecil muito problemática que é esquecida pelos personagens logo depois, como em todas as comédias românticas de pessoas brancas que se conhecem – se apaixonam – um dos dois faz alguma coisa idiota – há falha de comunicação – rola uma perseguição de táxi até o aeroporto – todos vivem feliz pra sempre.

O Duque e Eu possui todos esses elementos supracitados, mas a perseguição de táxi na verdade é um acidente de carruagens (juro).

Se é pra ficar problematizando um livro desse, além de discutir Daphne estuprona dá pra gente falar da romantização dos homens fechadões que nunca querem falar dos sentimentos mas são muito quentes na cama; e dos romances de época que só tem gente branca como protagonista; ou das cenas de perda de virgindade que são sempre infinitamente maravilhosas, ao contrário de 98,7% das que acontecem na vida real (porcentagem realista); ou do fato de que uma autora que nasceu nos Estados Unidos em 1970 foi virar best-seller nos anos 2000 falando de brancos ingleses do início do século XIX – será que o apelo é que o pessoal da época não podia falar de sexo e nesse livro eles transam muito?

Pra quem não quer problematizar nada, o livro é um romance erótico de época bastante competente, com personagens coadjuvantes de peso e uma trama que dá pra levar na tranquilidade. Um começo sólido para uma série despretensiosa que agradou muitos leitores.

The Duke and I (2000) de Julia Quinn. Série Brigertons Livro 1

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