Novembro 21, 2024
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Em 1936, um pequeno livro infantil fez sucesso moderado no mercado editorial britânico. O sucesso foi o suficiente para que os editores pedissem ao autor que escrevesse uma continuação. Só que, como todos sabemos, a Segunda Guerra Mundial estourou lá por aquela época, e a continuação do livrinho infantil demorou mais de dez anos para ser publicada – e quando chegou na editora, era bem diferente do que eles esperavam. Era, na verdade, um livro para adultos com quase mil páginas. Felizmente para todos, a continuação do livro infantil não só fez um enorme sucesso como também pavimentou o gênero da fantasia em ambientação medieval que teve sua era de ouro nas décadas de 60 a 80. O autor chegou a vender os direitos do livro para o cinema, mas até o final do século apenas uma animação de pouca qualidade havia sido feita.

Então veio Peter Jackson. Assim como o livro foi essencial para o sucesso da literatura fantasiosa, os filmes de Peter Jackson abriram as portas para que outras produções do gênero viessem para o cinema – mesmo que com menos qualidade e sucesso. As adaptações de Jackson não são perfeitas, mas certamente trouxeram a obra de Tolkien para um público bem mais extenso, são obras-primas da produção cinematográficas e continuam maravilhosas mesmo vinte anos depois. E aí, aquele livrinho infantil, escrito na década de 30, que mesmo tendo sido publicado antes é conhecido como “o prelúdio do Senhor dos Anéis”, acabou, através de várias reviravoltas, caindo nas mãos de Peter Jackson também. E alguém da produção decidiu que, já não tinham mais como faturar em cima da trilogia do Senhor dos Anéis no cinema, então porque não adaptar seu prelúdio? E por que não dividir em três partes? Aparentemente a ideia foi genial, já que O Hobbit foi uma das melhores bilheterias de primeiro final de semana nos EUA do ano de lançamento. Os fãs, como sempre, ficaram divididos. Muitos não gostaram, muitos idolatraram o diretor, muita gente não tem opinião formada e só foi ver mais um filme de ação e fantasia.

Amanhã faz dez anos que o primeiro filme saiu; então vou aproveitar para revisar as minhas anotações sobre ele.

Na minha visão, o filme sofre por ter características “tríades”. Primeiro por ser um filme de fantasia medieval que obviamente não vai terminar e que depende das suas continuações para ter fim. Isso já é um desafio por si só. Os personagens principais são habitantes de uma terra fantástica, e são eles anões, elfos e hobbits (que nem todo o expectador sabe o que é). Segundo que é um filme que foi feito pra ser prelúdio da trilogia de maior sucesso da década. Os fãs que assistiram os filmes querem ver a mesma pegada no cinema – querem os mesmos temas épicos, os mesmos personagens, a mesma Terra-Média. E terceiro, O Hobbit é uma adaptação de um livro que é muito do bom. Aqueles que leram o livro querem também ver uma adaptação fiel nas telas. Então é complicado. Em todos os pontos acima, O Hobbit tem suas vitórias e suas derrotas, e vou falar de cada uma delas.

O filme por si só

A primeira coisa que tem que ser dita sobre o filme é o elenco. Apesar de ser um grupo enorme de pessoas que estão perto do protagonista, a narrativa não fica confusa demais. Como apenas alguns anões têm momentos únicos na trama, dá pra seguir o que acontece sem maiores problemas. A tríade principal – Gandalf, Bilbo, Thorin – funciona às mil maravilhas: o entrosamento entre os três é excelente, os diálogos impecáveis e a atuação dos três atores é de tirar o chapéu. O roteiro, no entanto, fica um pouco complicado no começo, por ter cortes demais com informações que a gente só não se importa. O filme bom faz assim: apresenta os personagens principais e daí as coisas começam a acontecer. Esse filme fez “esses são os anões mas espera tem esse mago aqui e na verdade anos atrás teve essa guerra e agora voltamos ao presente e canta uma música e toma mais um flashback”. O corte para a luta em Moria e especialmente o corte de Radagast pra mim foram desnecessários e deram a impressão de que a história “principal” (Bilbo e os anões) não era interessante o suficiente para que o filme mostrasse o que estava acontecendo com eles. Não que eu seja contra a presença de Radagast. Só acho que ele deveria ter sido mostrado apenas contracenando com a comitiva. O arco de história que os roteiristas escolheram mostrar é bem claro: Bilbo é um bobo que precisa provar seu valor para os anões. As cenas em que ele faz isso são bem idiotas, mas de qualquer forma é um arco válido que tem começo, meio e fim. Apesar das cenas de conflito e perigo pelos quais a comitiva passam serem bem sem graça e sem ameaça real, já que o espectador em momento algum sente que talvez algum deles realmente morra em alguma luta, fica claro que a jornada de Bilbo para ser aceito por Thorin é o que importa.

O filme como prelúdio de O Senhor dos Anéis

Nesse quesito, acho que o principal problema – de novo – é o roteiro. Por um lado, a história segue a mesma estruturade O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel: comitiva se reúne, passa a ser perseguida, momento de calma em Rivendell, depois goblins, momento olha que bonita a paisagem etc. Por outro lado, é mais do mesmo com o pequeno detalhe de que , enquanto O Senhor dos Anéis se beneficiou de uma pré-produção cuidadosa que durou anos, aqui absolutamente tudo é tela verde. E dá pra perceber a diferença entre uma câmera sobrevoando a Nova Zelândia e uma paisagem por computador como pano de fundo para vários orcs digitais lutando com dois atores multiplicados pelo gerador de imagem para parecer um exército .

E ainda tem o fato de que, enquanto Frodo e seus amigos querem salvar o mundo, Bilbo e seus companheiros querem recuperar um monte de dinheiro. Não é a mesma aventura épica, mas o filme quer ser épico. Então tentaram fazer os gigantes das rochas como sendo algo muito ameaçador, quando na verdade era só o Tolkien falando dos gigantes jogando pedra nas montanhas para explicar pro moleque filho dele de onde vem os trovões.

A Adaptação.

Lembra lá no começo do post, que eu falei que O Hobbit é um livro infantil? Tipo, pois é. Infantil igual a Nárnia. Com personagens bobos e engraçados. Com trama leve, sem violência e sem conflitos. Com momentos de fantasia para agradar ao paladar infantil, como trolls brigando para ver qual come qual perna dos protagonistas, um homem que vira urso nas horas vagas e precisa ser apresentado aos anões aos poucos pra não ficar bravo e um monstro das profundezas das montanhas que pode ser enganado usando uma competição de charadas. Aí o pessoal dos filmes vem querendo faturar e resolve transformar um livrinho de 300 páginas em uma trilogia épica cheia de efeitos, batalhas imensas, personagens conflitados e participação especial de Elrond e Galadriel.

Depois que a gente descobre que a produção foi toda torta, com várias trocas de equipe, roteiro todo recortado e conflito entre visão de diretores, dá pra entender um pouco a confusão do filme. Em alguns momentos, ele consegue ser épico. Em outros momentos ele consegue ser fiel ao livro. O resultado foi um pouco dos dois, e um filme bem do irregular.

E agora já aviso que vou virar a fã ensandecida com spoilers e reclamação de tudo, que é minha forma favorita de consumir entretenimento. 

Comentário de Fã Maluca

Eu não sei se vocês repararam em como eu sou louca nerd abismalmente fanática pelo universo do Senhor dos Anéis, mas se não repararam enfim. Tô falando agora. A primeira vez que assisti esse filme eu não pude evitar de reparar nas semelhanças e diferenças entre o filme e o livro, como eu sempre acabo fazendo quando assisto uma adaptação. E mesmo assim não pude deixar de reparar na irregularidade complicada do roteiro.

Da segunda vez que eu assisti, o filme ficou mais leve, até porque eu não estava comparando cada cena com o livro. Mas em ambas as vezes me deu a impressão de que é um filme assistível por leigos que não leram os livros mas que perde a metade da graça pra essa audiência. Ou seja, o filme é muito mais direcionado a fãs do que ao assistidor médio que provavelmente tentou ler O Senhor dos Anéis depois que o filme saiu e só ouviu falar do Hobbit por causa de Senhor dos Anéis ou quando muito leu O Hobbit há muitos anos. O filme  não é feito pros leigos. O filme é feito pros fãs. Dito isso, claro que muitos fãs já tão reclamando pela aí que Radagast parece uma princesa Disney porque ele fica falando com os animaizinhos. Mas O Hobbit sofre de problemas muito maiores do que a caracterização de um mago menor.

O Hobbit nunca vai ser considerado um filme por si só; ele não foi feito pra isso. Ele é uma adaptação de um livro famoso. Ele é prelúdio de um livro mais famoso ainda, que foi transformado nos filmes que trouxeram, junto com Harry Potter, a fantasia de volta ao cenário hollywoodiano. É muita expectativa pra um filme que na verdade já tinha o enorme desafio de transformar um livreco infantil de 200 páginas em três blockbusters épicos cheios de aventura. O principal problema do Hobbit, portanto, é o roteiro. Ao tentar balancear o tom do livro com o tom dos filmes anteriores que na verdade se passam depois (numa chateação digna de Star Wars), o roteiro enche o começo do filme com cenas desnecessárias, com personagens que não são interessantes e por motivos sem sentido.

Quer ver?
No começo do filme temos um prelúdio digno de A Sociedade do Anel mostrando-não-mostrando o ataque do dragão ao reino de Erebor. Legal muito da hora louco demais. Até aí, ok, é um prelúdio e não esperamos muito em termos de personagens. Daí temos uma cena que nos leva direto ao início da Sociedade do Anel e legal, um filme é continuação do outro e tinham que dar uma ponta para o Frodo porque se não os fãs do filme do SdA não iam querer ver O Hobbit. Depois os anões chegam e fica bem legal. Mas aí, mal sabemos quem é Bilbo e o que os anões querem e já voamos para as portas de Moria, numa batalha épica que perde o sabor porque o espectador não se importa com nenhum dos dois lados e nem consegue distinguir quem é quem na confusão. Depois disso, temos mais uma cenininha na chuva e corta de novo para Radagast, que não sabemos quem é, não nos importamos com o que ele tá fazendo e não entendemos nada dessas aranhas.

Depois as coisas começam a dar certo novamente, com o filme quase que todo focado na sociedade comitiva de anões e nas suas aventuras, que mesmo sendo bobocas e infantis conseguiram dar um tom minimamente urgente para que nos preocupemos com nossos personagens. Mas aí tem o Conselho Branco, que é equivocado em tantos pontos que nem sei por onde começar mas vamos começar com Saruman.  Não é pra ele ser o velho malvado que tá agindo com Mordor. Teoricamente, durante os eventos do Hobbit, Saruman é o bonzinho, o legal, o super-sábio-do-universo. A única explicação para a reação do Gandalf quando Saruman aparece é que o roteiro ignorou a participação de Saruman no livro e resolveu que ele vai ser o malvado desde o início, assim como mudou a motivação de Saruman nos filmes. Mas mesmo que esse fosse o caso. O filme deixa claro que a Galadriel é fodona. Daí ela fala “nossa, isso é a faca do bruxão”. E o Elrond fala “nossa, é mesmo”. E o Saruman fala “que prova temos de que essa é a faca do cara? Nenhuma! Your argument is invalid!” Tipo. Nem no universo do filme essa colou. Não faz sentido interno o Saruman ignorar o que a Galadriel e o Elrond falam e nenhum dos dois fazer nada a respeito.
E outra. Por que o Saruman precisa deixar ou não deixar os anões fazerem o que quer que seja? Ele é o “protetor” da Terra Média, mas o que isso significa? O filme não fala.  E por que que os orcs podem sair no sol tranquilo? Primeiro os orcs de Moria lutam com os anões no sol, o que já é um conceito bem estranho de um povo que não pôde perseguir a Sociedade porque estava de dia. E justamente, o Gandalf logo fala que só vão conseguir fugir das Misty Mountains se eles chegarem até a luz do sol. Mas antes, logo quando vão chegar em Rivendell, os goblins tão atrás deles em wargs em plena luz do dia! Alguém tinha que ter feito essa decisão, né. A cena das charadas podia ter sido tão melhor. A fuga palhacenta das montanhas parece Piratas do Caribe piorado e ainda por cima cansa.

Felizente, para compensar, temos o elenco. Então vamos falar do elenco! Hugh Weaving conseguiu balancear com perfeição o seu personagem, que agora não parece mais um Sr. Smith que fala élfico bem devagar. Ele está mais jovial, mais alegre e mais de acordo com o Elrond do livro Hobbit. Ian McKellen está perfeito. Ele se diverte muito como Gandalf, e o papel não exige tantos momentos “sou o sábio do universo dando conselhos com a musiquinha tema ao fundo” que nem em Senhor dos Anéis – e convenhamos o Gandalf do Hobbit é bem mais divertido. E agora preciso falar da obra prima  que é o duo Bilbo/Thorin, dois personagens difíceis e que foram magistralmente captados pelos atores. Cada cena dos dois é de bater palminhas. Os outros anões, infelizmente, têm pouco lugar na trama, até porque no livro tinham quase tanta personalidade quanto as espadas de Thorin e Gandalf.

Outro ponto que merece ser mencionado. Tolkien era racista e misógino. Então nos livros dele os elfos brancos e loiros são a raça superior, e quanto mais moreno e mais escuro de pele mais pior você é, desde os Haradrim do sul até os orcs de Mordor. Já as mulheres devem ser belas e inatingíveis, com a exceção que confirma a regra de Éowyn. Não custa nada ler o livro – e ver o filme – já sabendo disso sobre o autor e já reparando nesse tipo de coisa. Isso não faz com que você seja obrigado a odiar o livro pra ser anti-racista (só se você quised). O cinema tentou dar uma melhorada no quesito misoginia – colocando Galadriel com um papel que não existia em O Hobbit e colocando a Arwen com um papel que não existia em Senhor dos Anéis. Mas não fizeram absolutamente nada pelo racismo, que estranho. 

Acho que por enquanto é isso, mas não garanto que eu tenha acabado.

O Hobbit – Uma Jornada Inexperada (2012) – The Hobbit – An Unexpected Journey
De Peter Jackson
Com Ian McKellen, Martin Freeman, Richard Armitage, Cate Blanchett, Hugo Weaving, Christopher Lee, Ken Stott, Ian Holm, Elijahn Wood

4 thoughts on “Filme | O Hobbit – Uma Jornada Inesperada

  1. Então com certeza várias criticas positivas e negativas surgirão, comparações entre livro e filme, e os fãs nunca ficarão satisfeitos!!! QUero ver pra saber o que vou achar, a sua critica e visão são bem interessante, já nao vendo o filme, concordo com bastante coisas…Feliz 2013!

  2. Como de costume, as pessoas que são habituadas à leitura, raramente gostam das adaptações de livros à linguagem cinematográfica, e você não me pareceu ser diferente. A linguagem cinematográfica é completamente diferente da história narrada em um livro e, quando ocorre essa transição de mídias (no caso, do livro para o cinema) sempre há perdas do texto original, é impossível manter um ritmo agradável na linguagem cinematográfica sem carecer de alguns detalhes (e às vezes muito bons detalhes) do texto original. A obra-prima O Senhor dos Anéis de Tolkien, foi tratada por Peter Jackson com incrível esmero e riqueza. Sou fã de Tolkien, li igualmente todos os livros, porém sei reconhecer quando um trabalho de incrível qualidade é feito e O Senhor dos Anéis de Peter Jackson, é um clássico de inegável magnitude. Acho sua opinião um tanto quanto passional, parcial, e pretensiosa… O que fica bem claro no trecho em que você mesma escreve algo como “nem mesmo a trilogia de Peter Jackson é perfeita, veja a minha opinião em determinados links”. Também não acho que seja perfeita, mas estou longe de achar algo de ruim, até porque tenho certeza de que não seria capaz de fazer algo parecido com o que ele fez… Com tamanha sensibilidade, emoção indescritível e beleza. É por esse motivo dentre outros, que sempre que leio alguma crítica tão amargurada e falha como a sua relembro uma frase que li numa entrevista certa vez: “Alguma vez você já viu algum crítico fazendo algo realmente criativo e original? Não, não é mesmo? Isso se deve ao fato de eles, na maioria das vezes, serem profissionais com uma carreira frustrada e sem capacidade suficiente de saírem da zona de conforto do observador… É necessário ser valente para isso”.Abraço e desejo-lhe mel na vida.

  3. Oi, Márcia. Não vou agradecer o comentário porque a amargurada aqui é você, mas faço questão de responder. Então eu não posso ir num restaurante e não gostar da comida porque não sou chef de cozinha? Não posso ler um livro e não gostar porque não sou escritora?Não posso assistir um filme e não gostar porque não sou cineasta?Não posso emitir nenhuma opinião negativa sobre qualquer coisa se não for especialista naquilo?CLARO que posso. Assim como você pode vir aqui no MEU blog e falar que minha crítica é “amargurada” só porque você descorda de mim, e eu posso responder ao seu comentário. Mas se você está tão chateada com as minhas opiniões a algo que você obviamente gosta sem vir dar chilique no blog alheio, isso significa que você não aceita críticas, não que você está certa. E deixa eu entender porque acho que essa passou reto: na sua citação, você diz que é necessário ser valente pra sair da zona de conforto do observador… Eu sou covarde só porque discordo que o Peter Jackson tenha feito algo que não seja um clássico de inegável magnitude?Não sou obrigada a fazer críticas imparciais porque o blog é meu e eu falo o que eu quiser. E se você não entendeu o conceito do meu blog é você que precisa revisar sua pretensão.Eu sugeriria que você lesse o texto novamente pra entender que eu falei do filme por si só e critiquei o roteiro do filme por ser lerdo e longo – algo que pessoas que não leram o livro também acharam. Mas não vou sugerir porque você obviamente não é das pessoas que lê direito as coisas antes de falar besteira.Enfim. Eu tentaria continuar a conversa com você através de outros meios, mas você não tem conta no Google, e portanto provavelmente nem tem blog, e provavelmente nem vai voltar aqui porque me achou uma pessoa que não consegue fazer algo realmente criativo e original.Mas espera. Eu tenho um blog de recomendações de livros. E você?Ah, é verdade. Você só critica as críticas dos outros. Realmente, um trabalho de incrível criatividade e originalidade.Não mando abraço pra gente chata e mimimi. Desejo-lhe mais bom senso na hora de vir encher o saco dos outros.

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