Dezembro 3, 2024
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Maerad é uma garota de dezesseis anos que viveu toda sua vida como escrava num povoado ermo no meio das montanhas.

Um dia ela encontra Cadvan, um poderoso bardo numa missão importante, e ele, abismado de achar uma pessoa com o dom da bardice no meio daquele lugar miserável, oferece a ela algo antes impensável: a fuga.

Maerad não hesita e sente pela primeira vez o que é ser livre, mas com a liberdade ela também descobre sua ancestralidade: Cadvan a ajuda a lembrar de suas origens, pois Maerad é ninguém menos do que a filha da Primeira Barda de Pellinor.

Pellinor foi uma grande cidade e uma famosa escola de bardos, mas foi saqueada e destruída, e a mãe de Maerad foi vendida como escrava. Essa destruição tem a ver com a ascensão ao poder do Nameless One (O Sem-Nome), um bardo que virou maligno e jogou seu nome fora, que volta após centenas de anos de ausência para trazer a escuridão novamente ao reino de Annar. Cadvan acredita que Maerad é na verdade A Escolhida, que de alguma forma será responsável pela destruição do Sem Nome e conseguirá trazer a paz ao mundo.

Então vamos lá. A primeira coisa que eu vi nesse livro foi a introdução, que fala algo como “notas sobre a tradução”. A autora, Alison Croggon, é uma poetisa australiana, e The Gift é seu primeiro livro de fantasia juvenil. E ela fala, nessa introdução, como foi difícil traduzir esse texto da língua dos bardos para o inglês moderno. E depois tem um guia de pronúncia dos nomes e das frases no Speech, a fala mágica dos bardos.

E depois tem um mapão com o mundo de Annar.

E em cada início de capítulo tem uma canção ou parte de uma poesia, traduzida de algum texto antigo dos bardos.

E no final do livro tem um apêndice com as quatro eras do mundo de Annar e com a história dos povos e até com nomes de livros de historiadores sobre Annar, que dizem que afundou junto com Atlântida e tal.

Para os pouco cultos que jamais leram O Senhor dos Anéis, as semelhanças estavam tão gritantes que eu poderia até ter desistido de ler o livro. Mas felizmente elas foram benéficas: eu fiquei com a impressão de estar lendo O Senhor dos Anéis pela primeira vez novamente, e só quem AMA ler e AMA algum livro de paixão sabe o quão difícil é se ter essa sensação. Era como estar vendo um velho amigo após anos.

E não é só isso. As cenas do livro são incrivelmente-parecidas-na-verdade-são-cópias d’O Senhor dos Anéis.

A batalha contra os wers acontece no alto de uma colina onde há ruínas de um antigo posto de vigia (Weathertop). Eles fogem de uma montanha que na verdade possui uma mente maligna pensante (Caradhras). Eles atravessam uma enorme cidade subterrânea vazia e antiga (Moria). Eles param numa cidade acolhedora e cheia de música e comidas e há um conselho muito importante (Rivendell). Eles encontram uma cidade proibida no meio de uma floresta imensa, onde as casas são no alto de árvores frondosas, o povo é alto, esguio e loiro, eles falam uma língua antiga e a rainha deles é imortal e loira e profeta (Lórien). A capital dos bardos é até mesmo uma cidade de círculos brancos concêntricos construídos na encosta de uma montanha! (Minas Tirith)

Só que mesmo apontando uma cópia de um dos meus livros favoritos a cada página, eu não conseguia parar de ler.  Porque o conjunto da obra é o que importa. E o conjunto da obra é o seguinte: a ambientação senhordosaneizística não atrapalhou, muito pelo contrário. É extremamente difícil conseguir reproduzir o clima de “esse reino já foi tão b
elo mas agora tudo já passou”, que é na verdade triste e nostálgico, e só pela autora ter conseguido fazer isso de forma convincente já foi um feito e tanto.

Outra coisa importante é que mesmo que muitas das cenas tenham sido copiadas do Tolkien, a ordem em que elas ocorrem é original, e de forma a fazer com que a viagem dos personagens seja algo que faça sentido. Coisa que cópias mais grandiosas d’O Senhor dos Anéis jamais conseguiram fazer.

E por último, mas de forma alguma menos importante, temos o principal trunfo da série de Pellinor, algo que só adicionou qualidade a algo que já era interessante: os personagens.

Tolkienmaníacos que me perdoem, mas o fraco dele sempre foi os personagens. São poucos os que têm personalidade marcante e menos ainda os que têm profundidade. Não é uma reclamação, até porque acho que o livro funciona muito bem dessa forma, mas é um fato de qualquer forma. Tolkien era machista, religioso e pouco interessado nos problemas pequenos e pessoais de cada personagem, pois a idéia era a de se narrar algo muito maior.

Mas nesse livro já temos algo que o coloca totalmente de oposto ao Senhor dos Anéis: a protagonista é uma mulher. E uma garota inteligente sem ser geninha, corajosa sem ser irreal, medrosa sem ser chata. Enfim, uma personagen que convence. E isso faz a maior diferença do mundo.

A autora se limitou a alguns poucos personagens, dando profundidade a todos eles, em vez de colocar uma comitiva de trinta pessoas e ter que descrever todos.  Foi uma atitude acertada e fico feliz de ter que seguir apenas as pegadas de Maerad.

Algumas decisões são tomadas e algumas ações acontecem de forma muito aleatória – mas eu sou leitora de Tolkien perfeccionista, então não me levem muito a sério nesse ponto: eu fico questionando cada droga de diálogo e cada passo que os personagens dão.

E toda hora tem alguém cantando – mas eu tou acostumada com O Senhor dos Anéis e é só pular as músicas. Além disso, pelo fato dos caras serem bardos (ponto pro livro! AMO BARDOS) tem uma justificativa pra todo mundo estar cantando e recitando poesia o tempo todo.

Existem outros clichês que incomodam um pouco – ex-bardos serem gente maligna que foi para o lado do Sem Nome e andar por aí vestidos de preto ingual que os sith; o esquema dos nomes, que parece Terramar; e o tal do THE ONE, que nunca vai ser original depois de Matrix e Harry Potter e todos os outros – mas isso não deixa o livro menos legal.

É como se fosse um Senhor dos Anéis para leigos que gostam de literatura juvenil. E é sim, sem a comparação, um livro que consegue ser legal sozinho, que tem personalidade própria e uma boa história com ótimos personagens.

The Gift foi lançado nos Estados Unidos como The Naming.

The Gift (2002) de Alison Croggon (Austrália)
Série Pellinor Livro 1

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